O cordel de Dandara


Você há de concordar que literatura de cordel é realmente um encanto. Das inúmeras maravilhas nordestinas, com certeza a cultura é uma das mais ricas e únicas. Dando vida a esse importante gênero literário que não entra nos best-sellers, com uma importante personagem que não entra nos livros de História, Jarid Arraes faz mais do que um bom trabalho.

A beleza e simpatia daqueles varais cheios de cordéis coloridos, nos conquistam com sua variedade de temas. Os cancioneiros nordestinos vão desde histórias do cangaço até política, humor, e aventuras eróticas. São abordados também temas éticos e sociais, biografias, pelejas, romances, e religiosidade. Nascida em Juazeiro do Norte, Ceará, Jarid resolveu usar dos seus cordéis para discutir questões de gênero, xenofobia, e principalmente: visibilidade negra.

Há não muito tempo atrás, Dandara dos Palmares lutava pelo fim da escravidão e por uma melhor condição de vida para os negros escravos e quilombolas, mantendo sua resistência em Palmares. Liderava com Zumbi, e apesar de participar das atividades de colheita, caça, e manutenção doméstica como todos, lutava capoeira, pegava em armas, e ficava à frente nos batalhões de negras que defendiam aquela enorme comunidade na Serra da Barriga. Lutou ao lado de homens e mulheres por diversas vezes. Eram tempos conturbados e difíceis, aqueles. Apesar de ter sido uma figura tão importante quanto Zumbi, o único relatado nos livros de História é seu companheiro. As informações sobre Dandara são tão escassas que nem mesmo se sabe onde ela nasceu (temos uma ideia de que seja no Brasil, apenas levando em consideração relatos). O que isso significa? Quando a data da Consciência Negra – mais conhecida como festival da hipocrisia – se aproxima, em todas as escolas ouvimos sobre a brilhante e heroica vida de Zumbi. Mas e Dandara, você sabe quem foi?


Os fatos registrados pela História são uma boa maneira de analisar a humanidade no presente através do passado. Mas talvez, aqueles fatos que não foram incluídos na grande linha do tempo sejam ainda mais reveladores. Se por ventura o registro de Dandara e tantas outras mulheres importantes não foi considerado interessante, podemos e devemos todos nos perguntar o porquê. Seria perigoso retratar um modelo feminino que lutasse, que fosse independente, altivo, relevante, e não branco? Com certeza. Bem, nada para se surpreender. É preciso uma série de calculismo frio e cruel para manter um sistema que domina e prejudica metade da população de pé.


Agora falemos de coisas boas! Voltando para as graças dos tempos atuais, temos mulheres incríveis dispostas a nos deixar verdadeiros presentes em forma de literatura, arte, música... Francamente, até mesmo o presente de abrir nossos olhos já é uma grande coisa. Além do cordel sobre Dandara, Jarid ainda lançou um livro sobre a guerreira, As Lendas de Dandara, com ilustrações da Aline Valek – Eu sou aquela fã sonsa de Aline que foi à FLIP ano passado para vê-la de pertinho, mas nem chegou a dar um oi. Acompanho a newsletter Bobagens Imperdíveis e fico mais encantada a cada edição. Anyway, o debate da Rocco sobre mulheres na ficção conduzido por ela e mais duas moças incríveis foi eletrizante! –. Inclusive, deem uma olhada na página do livro. Está lindo, de verdade. Tem versão física e virtual!


Só que Jarid não parou com Dandara. Lançou mais cordéis biográficos (Antonieta de Barros, Aqualtune, Luisa Mahin, Tereza de Benguela, e Zeferina são algumas das personalidades), e cordéis infantis/adultos sobre questões raciais, de gênero e representatividade negra. Também lançou cordel LGBT e cordel que trata de xenofobia. Parem já de discriminar o nordeste!

Agora vamos falar de coisas melhores ainda: Algumas escolas brasileiras  já organizaram atividades com os cordéis de Jarid, incentivando desde cedo a problematização de temas importantes, e o conhecimento das histórias esquecidas. Se você é educador ou educadora, e gostaria de participar da construção da empatia, e solidariedade em seus alunos, futuros cidadãos, neste link tem maiores informações. Ou se quiser encomendar seu próprio cordel, contando a sua história, segue aquele link também.

Ainda vou ter meu varalzinho, podem acreditar. Tem coisa melhor para embelezar, divertir, e esclarecer?

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